Deficiente Ciente |
- Uso da palavra “autista” com sentido estigmatizante
- A subjetivação do (d)eficiente no interior da escola: uma identidade a ser (des)construída
- Entre deficientes auditivos, mulheres ganham 43% menos que homens
- Justiça ouve testemunhas sobre agressão a cadeirante em SP
Uso da palavra “autista” com sentido estigmatizante Posted: 18 May 2011 04:21 AM PDT
A partir da entrevista concedida por Emir Sader a Folha de S. Paulo (27/2/2011), diversos colunistas de jornal e de revista repercutiram a frase 'Ana de Hollanda é meio autista', dita pelo sociólogo famoso. Desta forma, novamente aparece na mídia o uso da palavra 'autista' com sentido estigmatizante para descrever uma pessoa, um comportamento humano ou até alguma coisa. Por que estigmatizante? Porque esta palavra foi utilizada pejorativamente para destacar algo que, segundo entendimento de quem a pronunciou, é negativo, anormal, esquisito, omisso. Quiçá inadvertidamente, Emir Sader acabou prestando um gravíssimo desserviço às pessoas com autismo e à sociedade em geral. Toda uma mobilização local, nacional ou internacional – acionada por pessoas com autismo, seus familiares, especialistas e outros interessados, para combater o preconceito e a discriminação que ainda existem contra estas pessoas – foi prejudicada pela força do mau uso da palavra “autista” e da ampla repercussão que o episódio mereceu na mídia. (Veja: Terminologia sobre deficiência na era da inclusão) Em seguida, transcrevo, com negritos de minha responsabilidade, trechos de algumas das matérias sobre este assunto publicadas nos jornais Folha de S.Paulo e Correio do Brasil e na revista IstoÉ. A escolha destes veículos foi aleatória, ou seja, o assunto pode ter sido abordado em outros meios de comunicação também. "Para sociólogo, Ana de Hollanda é “meio autista”. Prestes a presidir a Fundação Casa de Rui Barbosa, o sociólogo Emir Sader causa polêmica ao incentivar debates sobre os anos Lula. Para ele, o corte do Orçamento estoura 'na mão da (ministra) Ana (de Hollanda) porque ela fica quieta, é meio autista'." [manchete para Ilustríssima, Folha de S.Paulo, 27/2/2011, p.1]. "O ministério passará pelo recém-anunciado corte de gastos federais: conforme diz Emir Sader, 'tem o corte, o orçamento é menor, e tem dívidas. Desde março não se repassou nada aos Pontos de Cultura. Teve uma manifestação em Brasília. Está estourando na mão da (ministra) Ana (de Hollanda) porque ela fica quieta, é meio autista'." [Marcelo Bortoloti e Paulo Werneck, "Um emirado para Emir: A Casa de Rui Barbosa em busca de transcendência", Ilustríssima, Folha de S.Paulo, 27/2/2011, p. 5]. Emir Sader cai após chamar de autista ministra da área cultural. Após ter chamado a ministra Ana de Hollanda (Cultura) de “meio autista”, o sociólogo Emir Sader não assumirá mais a presidência da Casa de Rui Barbosa." [manchete para Ilustrada, Folha de S.Paulo, 3/3/2011, p. 1]. Após chamar ministra Ana de Hollanda de “meio autista”, Sader abriu crise no governo; parte do PT o defendeu. O sociólogo, que deveria assumir nos próximos dias a presidência da Casa de Rui Barbosa, uma das sete autarquias diretamente ligadas ao Ministério da Cultura (MinC), virou assunto de governo após chamar a ministra Ana de Hollanda de autista. Em entrevista publicada pela Folha no último domingo, Sader acusou Hollanda de 'não falar' e de ser “meio autista”." [Ana Paula de Souza, "Governo desiste de nomeação de Sader", Ilustrada, Folha de S.Paulo, 3/3/2011]. "Sader teve a nomeação para a Casa de Rui Barbosa cancelada após chamar ministra da Cultura de “autista”. Sader teve a nomeação para a entidade cancelada depois de chamar a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, de “meio autista”." [Ana Paula Sousa e Marcelo Bortoloti, "Descartado por ministério, Sader trabalhará com Lula", Folha de S.Paulo, 4/3/2011]. "O caso Emir Sader. (…) Após entrevista publicada pela Folha em que o sociólogo Emir Sader, que deveria assumir a Casa de Rui Barbosa, chamou Hollanda de “meio autista”, a ministra decidiu cancelar sua nomeação para o cargo." [Ana Paula Sousa, "Frágil ministério", Ilustrada, Folha de S.Paulo, 4/3/2011]. "Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Emir Sader fez críticas a cortes de custos aos programas do Ministério da Cultura (MinC) e informara que pretendia levar para debate assuntos sensíveis, como a questão dos direitos autorais. Além disso, Sader chamou Ana de Hollanda de “meio autista”, devido à suposta inércia diante da falta de repasse de verbas aos Pontos de Cultura: 'Tem corte, o orçamento é menor, tem corte e tem dívidas. Desde março não se repassou nada aos Pontos de Cultura. Teve uma manifestação em Brasília. Está estourando na mão da Ana porque ela fica quieta, é meio autista”, declarou Sader." ["Emir Sader não vai mais presidir Casa de Rui Barbosa", Correio do Brasil, 4/3/2011]. "Sobre o episódio com Emir Sader, que em entrevista à Folha, a chamou de “meio autista” e não foi mais confirmado à frente da Casa de Rui Barbosa, ela (Ana de Hollanda) diz: 'Ele não merece, não vou falar disso'." [Mônica Bergamo, "Ana: 'Ele não merece", Cotidiano, Folha de S.Paulo, 6/3/2011]. Tão errado quanto Emir Sader, foi o colunista Leonardo Attuch ao opinar que Emir Sader "poderia ser enquadrado na categoria" de autista e que Emir, por não perceber a nova realidade, dá sinal de ter autismo. Trecho do artigo intitulado "Autistas da cultura": "O que é um autista? Uma pessoa incapaz de desenvolver relações sociais normais e que mergulha num universo próprio, tornando-se alheia à realidade externa. O sociólogo Emir Sader, que foi demitido antes mesmo de assumir a presidência da Fundação Casa de Rui Barbosa, uma autarquia ligada ao Ministério da Cultura, poderia ser enquadrado na categoria. Ainda enxerga o mundo pela lente marxista e aponta maquinações permanentes da direta contra si. Mas o que o derrubou não foi nenhuma trama ou conspiração. Apenas a língua solta. O sociólogo passou do ponto, ao chamar de “autista” a ministra Ana de Hollanda, que seria sua superior imediata. No mundo de hoje, a palavra-chave é compartilhamento. (…) Fechar os olhos para essa nova realidade é também um sinal de autismo." [Leonardo Attuch, IstoÉ, ano 35, n. 2156, 9/3/2011, p.47]. Como confirmam os trechos acima transcritos, Emir Sader deixou claro que, segundo o seu entendimento da palavra “autista”, Ana de Hollanda seria “meio autista” porque ela ficou "quieta" diante do corte no Orçamento, assumiu uma "atitude de inércia" ante a falta de repasse de verbas. Porém, mesmo inconscientemente, Emir está ensinando à sociedade um conceito equivocado sobre o que é “ser um autista”, o que é “ser uma pessoa com autismo”. E eu pergunto: Até quando aceitaremos passivamente o uso estigmatizante, pejorativo, das palavras “autismo” e “autista”? Já não estaria passando a hora de combatermos essa destruidora desinformação e esse tratamento equivocado, que tanto comprometem a qualidade de vida, e ofendem a dignidade, das pessoas com autismo? Afinal, nós já temos dois caminhos jurídicos para agir: o Decreto Legislativo 186, de 9/7/08, que ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) com equivalência constitucional, e o Decreto 6.949, de 25/8/09, que promulgou a CDPD. Diz o Artigo 8 da CDPD: "(1) Os Estados Partes se comprometem a adotar medidas imediatas, efetivas e apropriadas para: (a) … ; (b) Combater estereótipos, preconceitos e práticas nocivas em relação a pessoas com deficiência, inclusive aqueles relacionados a sexo e idade, em todas as áreas de vida; (c) … (2) As medidas para esse fim incluem: (a) Lançar e dar continuidade a efetivas campanhas de conscientização públicas, destinadas a: (i) Favorecer atitude receptiva em relação aos direitos das pessoas com deficiência; (ii) Promover percepção positiva e maior consciência social em relação às pessoas com deficiência; (iii) …; (b) …; (c) Incentivar todos os órgãos da mídia a retratar as pessoas com deficiência de maneira compatível com o propósito da presente Convenção; (d) …". A ONU, no Artigo 1 da CDPD, incluiu as pessoas com autismo ao acrescentar o termo deficiência psicossocial na lista das tradicionais categorias de deficiência, que antes eram a física, a intelectual, a visual, a auditiva (e, por tabela, a múltipla). Na deficiência psicossocial, entram todas as formas de sequela de transtorno mental, inclusive sequela de transtorno global do desenvolvimento (p.ex., espectro do autismo, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, síndrome de Williams). A CDPD foi adotada pela Assembleia Geral da ONU através da Resolução A/61/106, de 13/12/06. No passado também Antes de todo este episódio estigmatizante, já havia aparecido na mídia outras matérias nas quais a palavra “autismo” ou “autista” foi utilizada para se referir pejorativamente a pessoas ou coisas. Transcrevo trechos de três delas. No ano 2000, sob o título 'Autismo', um editorial destaca a fala do então advogado-geral da União, Gilmar Mendes: "Os juízes estão anestesiados; o autismo é um mal complicado do Poder Judiciário.". Mendes se referia a uma série de situações: "a politização da Justiça na análise das ações contrárias à venda do banco", "Os juízes (…) vêm tomando decisões inspiradas em posições ideológicas", "Os tribunais vêm acatando argumentos em torno de 'picuinhas' processuais", "vícios formais de quinta ordem com o objetivo evidente de truncar o processo de privatização" etc. [Jornal da Tarde, 12/7/2000]. Em 2002, quando houve a polêmica sobre a derrubada do CPMF e a reforma tributária, o leitor João Diogenes Caldas Salviano, do Recife, enviou uma carta sob o título 'Casa dos autistas' [brincando com o nome do programa de TV "Casa dos Artistas", famoso na época)]: (…) "Mas será que, nestes oito anos de tucanato com pefelistas e peemedebistas, não estaremos participando da “casa dos autistas”, dos que vivem dissociados da realidade social, retroalimentando apenas o ego e a vaidade sem limites racionais?!" [Fórum dos Leitores, O Estado de S.Paulo, 18/3/2002]. No ano 2005, o título "Governo e Congresso têm comportamento autista, afirma Lessa", em letras garrafais, trouxe uma longa entrevista concedida por Renato Lessa, na época professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). No início da matéria, o jornalista Rafael Cariello escreveu: "O cientista político Renato Lessa afirma que governo e Congresso agem de forma autista e predatória.". Trechos de Renato Lessa: "Se essa agenda ficar por muito tempo confinada à relação entre esses dois atores [Governo e Congresso], a sociedade de alguma maneira vai tender a ultrapassar essa agenda. É difícil pensar a sustentabilidade indefinida de um padrão autista." (…) "Há quem acredite que, para entender a política, é preciso entender a relação entre Executivo e Legislativo. É uma visão autista. Para quem pensa assim, o governo Goulart caiu porque perdeu a sustentação parlamentar, mas não leva em conta o que acontecia no ambiente social." [Rafael Cariello, Folha de S.Paulo, 15/5/2005]. Uso correto da palavra “autista” Em meio a tantos exemplos negativos sobre o tema “autismo”, houve uma voz solitária utilizando corretamente as palavras “autista” e “autismo” a fim de tomar uma posição favorável às pessoas com autismo e suas famílias. Foi a voz de Luiz Fernando Vianna ao escrever a breve crônica intitulada "O autismo e a política". Por diversas vezes, Vianna utilizou a palavra "autistas", que hoje preferimos substituir por “pessoas com autismo”. Mas, tudo bem, vale a posição que ele tomou. Vale a pena reproduzir essa crônica na íntegra: "Rio de Janeiro – As traquinagens mensaleiras do PT devastaram restos de esperança que sobreviviam nessas terras. Para os pais de autistas, o bolo de lama ainda veio com uma desnecessária cereja: a transformação do diagnóstico de seus filhos em insulto político." "Chamar Lula, o governo ou a equipe econômica de autistas virou bordão na boca de colunistas de jornal (inclusive deste), empresários como Benjamin Steinbruch, políticos como Aécio Neves, Gustavo Krause e José Carlos Aleluia, intelectuais como Marilena Chauí, Renato Lessa e Luiz Carlos Mendonça de Barros, e políticos que já foram intelectuais como Fernando Henrique Cardoso." "Nunca se ouviu desses seres públicos qualquer palavra no sentido de construir algo em prol dos autistas, embora a síndrome atinja uma em cada mil crianças nascidas no mundo – o desinteresse deles ajuda a entender por que jamais se fez um levantamento no Brasil. Mas, na hora de esbanjar ignorância e crueldade, eles não falharam." "O estereótipo do autista como alguém 'fechado em seu mundo', base para os insultos, é falho, para não dizer falso. Autistas têm dificuldades de linguagem, interação e assimilação de convenções, mas podem, se amados e estimulados, ter vida social no 'nosso' mundo." "Ao ajudar a estigmatizar a palavra “autista”, pondo-a no mesmo rol de outras expressões pejorativas, esses seres públicos reduzem a chance dos autistas de também serem públicos. Chatice politicamente correta? Só pensa assim quem não conhece o assunto." "Por causa de suas limitações, autistas não são hábeis para mentir, para enganar, para falar palavras em que não acreditam. Como diz o pai de um deles, um autista pode ser tudo, mas jamais será um canalha. Já os políticos…" Fonte: Planeta Educação Veja:
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A subjetivação do (d)eficiente no interior da escola: uma identidade a ser (des)construída Posted: 18 May 2011 03:53 AM PDT
RESUMO "O outro diferente funciona como depositário de todos os males, como o portador das falhas sociais. Esse tipo de pensamento supõe que a pobreza é do pobre; a violência é do violento; o problema de aprendizagem, do aluno; a deficiência, do deficiente; e a exclusão, do excluído. O presente artigo pretende refletir sobre a escola enquanto espaço de produção de subjetividades dos sujeitos aprendentes que nela estão inseridos. Para esta análise toma-se como base o lastro teórico de Bourdieu, Foucault e Vygotsky. A discussão será feita permeada pela abordagem dos paradigmas de segregação, integração e inclusão que a escola tem utilizado historicamente para lidar com o sujeito considerado 'deficiente'. A partir das reflexões feitas, questiona-se sobre a possibilidade de (des)construção da identidade do (d)eficiente criada a partir desse contexto escolar. O homem enquanto um sujeito multideterminado não está limitado às determinações biológicas de sua espécie, mas é construído enquanto ser único e distinto, a partir das interações travadas no interior de sua cultura. Como um ser social, ele se constitui como sujeito através das relações com outros homens, num determinado contexto cultural e social. Essas relações são permeadas por discursos que imprimem nesse homem percepções e sentimentos acerca de si mesmo e do mundo que o cerca. Esse processo de interiorização do discurso exterior contribui para a construção da identidade humana, para sua subjetivação. Para o sociólogo inglês Nikolas Rose (2001), o conceito de subjetivação diz respeito aos processos pelos quais o sujeito é "fabricado" como sendo de um certo tipo. Dessa forma, a identidade do sujeito é construída também a partir do processo de internalização e das vivências nos diferentes espaços sociais onde ele tem acesso, sendo a escola um locus onde esse processo acontece. O discurso veiculado pela escola autoriza ou desautoriza, legitima ou deslegitima, inclui ou exclui os sujeitos que estão inseridos em seu contexto. "[...] Há, dessa forma, um nexo muito estreito entre currículo e aquilo em que nos transformamos. O currículo, ao lado de muitos outros discursos, nos faz ser o que somos. Pos isso, [...] o currículo é a construção de nós mesmos como sujeitos" (SILVA, 1996, p. 167). Neste artigo, objetivando refletir sobre a escola como locus de construção da identidade da chamada 'pessoa com deficiência' essa discussão será travada tomando como base os estudos dos teóricos Pierre Bourdieu, Michel Foucault e Lev S. Vygotsky. A opção por esses teóricos se deu por possibilitarem uma leitura crítica da escola e das práticas desenvolvidas em seu cotidiano. Bourdieu, sociólogo francês de inspiração marxista, procurou discutir a escola buscando "compreender como o exterior é interiorizado, como a estrutura estruturada se torna estrutura estruturante e como esta, por sua vez, contribui para modificar aquela: 'a dialética da internalização da externalidade e da externalização da internalidade'" (BOUDIEU, 1977 apud SILVA, 1996, p. 14). Foucault, filósofo francês considerado pós-estruturalista, buscou entender a linguagem como elemento da constituição da "realidade", enfatizando sua cumplicidade com relações de poder e destacando os "efeitos de verdade" realizados pela linguagem e pelo discurso. Vygotsky, "psicólogo" russo de inspiração marxista, baseou-se nas ideias de Adler (psicólogo austríaco, criador da Psicologia da Personalidade), discutindo o sentimento de menosvalia, isto é, a valoração psicológica da situação social na qual é colocada a pessoa com deficiência (VYGOTSKY, 1995). Ele também desenvolveu o conceito de internalização dos processos vivenciados na interação com outros sujeitos da cultura. Esse conceito se tornou imprescindível na discussão sobre Educação. A LINGUAGEM COMO FORMADORA DE IDENTIDADE Por sua vez, a diferença é determinada por aquilo em que duas coisas diferem, isto é, para se estabelecer a diferença precisa-se de um referente de comparação. O sujeito necessita do outro para nomear a diferença. "A partir desse ponto de vista, o louco confirma nossa razão; a criança, nossa maturidade; o selvagem nossa civilização; o marginalizado, nossa integração; o estrangeiro, nosso país; o deficiente, nossa normalidade" (LARROSA; PEREZ DE LARA, 1998 apud DUSCHATZKY; SKLIAR, 2001, p. 124). Esse referente, ou seja, o outro que fornece possibilidade para a construção da identidade, passa a ser muito importante para o autorreconhecimento do sujeito, tendo em vista que é através do outro que ele tem um reflexo ou feedback acerca de si mesmo. "Minha identidade me dão os outros, mas eu não sou essa identidade, pois se eles têm de dá-la a mim é porque eu em mim mesma, por mim mesma, em minha intimidade, não a tenho" (PÉREZ DE LARA FERRE , 2001, p. 196). Assim, o encontro com o outro aponta o sujeito dentro dele ou refletido por ele, como no mito de Narciso, segundo o qual um belo jovem, ao observar o reflexo de sua imagem nas águas paradas de uma fonte, apaixona-se por sua própria imagem e, ao tentar abraçá-la, as águas se turvam perturbando a imagem que, distorcida, não mais parece refletir a imagem amada. Narciso então se afoga, consumido pelo desespero provocado pela intolerância ao que foge à norma e que difere do conhecido. Percebe-se que no encontro com o outro, quando a diferença não é assimilada, ocorre um processo de negação do outro, daquilo que ele difere do próprio sujeito. Esses são momentos de projeção e de busca do sujeito para compreender e assimilar a diferença. "O outro diferente funciona como depositário de todos os males, como o portador das falhas sociais. Esse tipo de pensamento supõe que a pobreza é do pobre; a violência é do violento; o problema de aprendizagem, do aluno; a deficiência, do deficiente; e a exclusão, do excluído" (DUSCHATZKY; SKLIAR, 2001, p. 124). Assim, com base nesse pensamento, "resolve-se" para o sujeito o incômodo provocado pela diferença, pois ele entende que a diferença é um problema inerente àquele que a possui. Assumindo esse pressuposto, o 'outro' considerado diferente passa a ser fabricado através da linguagem que constitui, produz e forma a realidade. "O modo como as pessoas se vêem – ou [...] significam sua existência – também se dá circunscrito socialmente, na tensão entre diferentes vozes, que aos poucos vão encontrando ou não ressonância no indivíduo" (KASSAR, 2000, p. 44). Na discussão desse processo com relação à pessoa com deficiência, Vygotsky (1995, p. 9) afirma que "o defeito por si só não soluciona o destino da personalidade, senão suas consequências sociais, sua realização sociopsicológica". Assim, o sentimento de menosvalia é um aspecto das condições sociais do desenvolvimento, é um resultado do discurso social (VYGOTSKY, 1995). Rubem Alves (2000, p. 33-34), numa história, retrata muito bem o processo de produção de subjetividades e de interiorização do discurso exterior. Era uma vez um lindo príncipe por quem todas as moças se apaixonavam. Por ele também se apaixonou uma bruxa horrenda que o pediu em casamento. O príncipe nem ligou e a bruxa ficou muito brava. "Se não casar comigo não vai se casar com ninguém mais!" Olhou fundo nos olhos dele e disse: "Você vai virar um sapo!" Ao ouvir essa palavra o príncipe sentiu uma estremeção. Teve medo. Acreditou e ele virou aquilo que a palavra [...] tinha dito. Sapo. Virou um sapo. Bastou que virasse sapo para que se esquecesse de que era príncipe. [...] O príncipe ficou possuído pela palavra que a bruxa falou. Seu corpo ficou igual à palavra.Esse processo de apropriação das palavras que vão sendo ditas e que transformam a percepção do homem acerca de si mesmo pode ser entendido, numa leitura vigotskiana, através do conceito de internalização. De acordo com Vygotsky (1996), o homem, diferente do animal, acrescenta à experiência hereditária, proveniente da herança da espécie, à experiência histórica, que se baseia na utilização da experiência das gerações anteriores, e a experiência social, adquirida no convívio com outras pessoas. Esse acréscimo é feito a partir da interação com outros sujeitos da cultura e da internalização dos discursos e fenômenos culturais. A internalização trata-se da reconstrução interna dos processos vivenciados externamente, ou seja, da "conversão das relações sociais em funções mentais" (SMOLKA, 2000, p. 27). Assim, os grupos sociais são tornados 'diferentes', através da produção de sistemas de diferenças e oposições. Para Foucault, "o sujeito não é proprietário do seu discurso. [...] Aquilo que é visto é uma produção intencional do olhar daquele que vê" (apud EIZIRIK; CORMELATO, 2004, p.11). Numa sociedade pautada pelo processo de diferenciação, o diferente é tido como o problema, o doente, o que não-aprende, o sem limites e, na escola, são chamados de alunos-problema etc. Essas rotulações que demarcam as diferenças emergem não somente no contexto familiar, mas também no contexto institucional. Continua… * Professora Adjunta do Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB, CEP. 45.300-000, Amargosa/BA, Brasil. Fonte: Educação em Revista, Marília, v.9, n.2, p.113-124, jul.-dez. 2008. Veja:
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Entre deficientes auditivos, mulheres ganham 43% menos que homens Posted: 18 May 2011 03:49 AM PDT
Em relação às demais pessoas com deficiência, os dados revelaram menor disparidade entre o rendimento de homens e mulheres no mercado de trabalho formal. A diferença entre gêneros para deficientes físicos é de 28,52%, enquanto para os assalariados com doença mental a diferença é de apenas 14,25%. A remuneração das brasileiras em geral é 17% menor que a remuneração dos homens, conforme os dados recém divulgados pelo MTE. Ainda, o número de homens com deficiência empregados no mercado formal é quase o dobro do número de mulheres com deficiência inseridas no mercado formal. Enquanto são 105,8 mil as mulheres, são 200,1 mil os homens. A maior diferença do número de contratados por gênero se dá entre pessoas com deficiência mental. Enquanto existem apenas 4,3 mil mulheres com deficiência mental empregadas, entre os homens este valor é de 11,2 mil. Em 2010, 306 mil pessoas com deficiência estavam empregadas no mercado formal, segundo os dados do ministério. O valor é 6% superior ao registrado no ano anterior. Fonte: Portal Terra (17/05/11) Veja:
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Justiça ouve testemunhas sobre agressão a cadeirante em SP Posted: 18 May 2011 03:28 AM PDT ![]() Advogado cadeirante Anatole Magalhães Macedo Morandini Foi realizada na tarde desta terça-feira (17) a primeira audiência do processo contra o delegado Damasio Marino, acusado de agredir um cadeirante em São José dos Campos (SP). Ao todo, foram ouvidas seis testemunhas de acusação e quatro de defesa. Uma nova audiência foi marcada para o final de junho, segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo, quando devem ser ouvidos o réu e mais uma testemunha de defesa –que não compareceu hoje ao fórum. A agressão ocorreu em janeiro, após uma discussão por uma vaga de estacionamento. Na época, o advogado e cadeirante Anatole Magalhães Macedo Morandini repreendeu o delegado por ele ter estacionado o carro em uma vaga destinada a deficientes físicos, em frente a um cartório da cidade. Morandini diz que o delegado o agrediu com coronhadas na cabeça, bateu com a ponta da arma em seu rosto e o ameaçou. Na época, Marino negou que tivesse usado a arma para bater no cadeirante, mas admitiu ter dado ‘dois tapas’ nele após ter sido xingado e recebido uma cusparada no rosto. O delegado se tornou réu em processo em que é acusado de crimes de injúria, ameaça e lesão corporal dolosa (quando há intenção), depois que a Justiça acatou denúncia do Ministério Público. Ele foi afastado temporariamente do cargo e exerce funções administrativas na Delegacia Seccional de São José dos Campos, segundo a Secretaria de Segurança Pública de SP. Fonte: Folha de S. Paulo (17/05/11) |
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